Eu tava precisando de um motivo bom pra ir ao dentista.
Não, não tenho medo de dentista, só acho tedioso ficar lá horas sentado e acabar me comprometendo nos meses porvir e, se tudo correr como planejam os doutores, ainda morrer numa grana séria. Tá certo que minha mãe me paga um plano dental, mas mesmo assim invento pra mim as melhores desculpas pra nem marcar consulta. Sim, mas isso nem é privilégio do dentista, cabular consulta é prática que já experimentei com toda sorte de profissionais da medicina. Até hoje fico imaginando a cara de "bem feito" que minha oftalmologista/optometrista vai fazer no dia em que eu adentrar o consultório com os olhos mais tortos do que nunca e como não deve ser o olhar do Dr. Fernando (meu ortopedista) ao sair do consultório e me ver chegar com as chapas do meu braço que fiquei levar lá já deve fazer uns mil anos. Isso, claro, sem contar o monte de fisioterapeutas que nem devem lembrar de mim, tão poucas foram as vezes que apareci em suas salas.
Já deve fazer uns dez anos que larguei a natação - aliás naquela época eu nadava já por recomendação médica... - mas ainda lembro bem do dia em que, por conta da recente troca de cloro da piscina, o maldito treinador pergunta:
- Trouxe os óculos, né ?

Uma das poucas coisas boas de quem trabalha doutrinando pré-adolescentes deve ser a cara de criança cagada que eles fazem quando, depois de ignorar um conselho seu, arrebentam a cara. Pois foi justamente isso que aconteceu, quebrei a cara. Mais especificamente quebrei foi um dente na parede da piscina, nadando de olhos fechados. Não fosse a dor lancinante, com certeza eu teria lançado alguma piada sobre o sabor do azulejo só pra parecer que eu não estava me sentindo um imbecil completo, mas tive que gastar toda a minha concentração em fingir que nem estava doendo tanto assim, porque essas coisas são importantes de se fazer, pelo menos antes da primeira namorada, que é quando a gente aprende que chorar na frente dos outros é pelo menos melhor do que chorar sozinho.

Mas isso foi há dez anos atrás, hoje em dia as coisas são bem diferentes, até porque já fiz o canal no dente partido e dor, que é bom, o dente já nem esboça.
Ontem, na casa do Eric (cuja piscina nem cloro tem), fui forçado a decidir que vou aparecer no dentista, nem que seja pra ver como ele está. Aproveito a ocasião e peço a ele pra consertar o meu dente, já que arrebentei o dito cujo de novo me jogando na piscina com a mesma displicência adolescente com que nadei de olhos fechados dez anos atrás. Detesto fazer burrice, mas desta vez pelo menos não perdi a piada sobre o gosto do azulejo e até ri quando olhei, hoje cedo, meu sorriso partido no espelho. 
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